terça-feira, 28 de setembro de 2010

A cúpula de São Pedro e a Baleia

     Das últimas verdadeiras chances que tive de deleitar-me com uma boa leitura, poucas me marcaram tanto quanto Moby Dick. Asseguro a qualquer dama ou cavalheiro que esta é excelentemente fantástica e emocionante, inesquecível. Confesso que antes da leitura do romance eu sempre tive curiosidade por tomar o livro para ler, mas por ‘n’ motivos nunca me era possível. Mas então, em uma de minhas últimas visitas ao Alquimista, o ilustre perguntou se eu já tinha lido o Moby Dick. Obviamente respondi que não. Assim, o meu amigo Alquimista emprestou-me.

     Eu gostaria de citar aqui um breve trecho que me encantou verdadeiramente. Foi lá no final do capítulo LXVIII – O Manto, por perto da página trezentos e vinte ou trezentos e vinte e cinco que Herman Melville confronta duas realidades: a humana e a da baleia do ártico. Era algo assim, abram-se aspas:


     [...] Pois a baleia realmente enrola-se em sua gordura como se esta fosse um cobertor ou colcha; ou, melhor ainda, um poncho de índio que, ao ser enfiado pela cabeça, a envolvesse totalmente. Por causa desse providencial manto que envolve seu corpo a baleia consegue manter-se bem cômoda em qualquer temperatura, em qualquer dos mares, em quaisquer ocasiões e correntes. Se não possuísse esse manto protetor como poderia a baleia da Groenlândia nadar nos gélidos e tiritantes mares setentrionais? Há outros peixes que se conservam bastante ativos em águas hiperbóreas, mas esses, diga-se de passagem, são peixes de sangue frio e que não possuem pulmões, cujas barrigas são perfeitas geladeiras; seres que se aquecem ao abrigo de um iceberg, como um viajante se aqueceria ao pé do fogo durante o inverno, em uma estalagem; ao passo que a baleia possui pulmões e sangue quente como o homem. Caso seu sangue se congele ela morrerá. Por isso é surpreendente – a não ser para os que já receberam explicação – que esse monstro enorme, para o qual o calor do corpo é tão indispensável como o é para o homem, fique à vontade, quase totalmente submerso, por toda a vida, em águas árticas, onde, os marinheiros ao cair, muitas vezes são encontrados, tempos depois, gelados perpendicularmente no âmago dos blocos de gelo, como se fossem moscas dentro do âmbar. Mas o que nos surpreende ainda mais é saber que o sangue da baleia polar é mais quente do que o de um negro do Bornéu durante o verão.


     Parece-me que se pode ver nisso um raro valor de uma forte vitalidade, o raro valor de paredes grossas e o raro valor da amplitude interna. Ó homem! Admira a baleia e a tome como exemplo! Mantém seu calor no meio do gelo! Vive neste mundo, também, sem pertencer a ele. Mantém-te frio no Equador; conserva o sangue fluido no pólo. Como a imponente cúpula de São Pedro e como a vasta baleia, retém, ó homem, em todas as estações tua própria temperatura.
     Mas como é fácil e difícil ensinar essas tais coisas! Dos edifícios que conhecemos, como são poucos os que possuem domos como o de São Pedro! E das criaturas, como são poucas as que possuem o tamanho das baleias!


     Fecham-se aspas.

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sábado, 23 de janeiro de 2010

LEVIATÃ

Relato o visto de hoje, com o sol a pino, que foi um leviatã. O mamífero máximo de nossa era abalroou-Nos. A estebordo pensei tratar-se de rochas, mas fora uma baleia de corcóva.
Não houve avarias, mas a besta marinha, por momentos, permaneceu parada diante de meus olhos, ainda com a fuça debruçada sobre meu olhar, talvez pensando "o que será esta besta de ventre duro que me pára à frente? Será um sonho? Será um predador?" Ah que vontade de ter podido conversar com ela e ter aprendido o que ela sabe sobre tudo isso que é viver sem limites de compreensão.
Momentos depois, imaginei que ela estivesse apenas esperando alguma palavra minha, qualquer coisa. Então eu disse a ela (ou ele), como quem tenta se desculpar de algo pouco profundo:

- Pois é, acontece! - disse eu, com ar amistoso.

Neste momento senti que ela entendera, e ela submergiu para longe da luz. Ficou o redemoinho na face líquida e espumante do Mar.