sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Companhia Sempre Presente

Ia começar a chover. Dentro de instantes as gotas cairíam pelo Barco... ouça, começou! Parece que sinto cada gota cair sobre o Convés. Sinto cada pingo tocar e espalhar-se pela superfície gelando-a. O Mar está calmo, assim como o Marinheiro, mas há um ar de inquietude nisso tudo. Seria o fato de o Mar estar calmo com todas essas Nuvens e Vento? Algo não se adéqua a este cenário, mas não consigo identificar o que seria. Parece que estou em terra de tão parada que a água está. Não oscilo. Não vacilo. Consigo olhar para o prato com uma uva no centro sem que ela se mova. O Navio não encalhou, senão eu teria ouvido raspões na quilha.
Algo me leva a pensar que não estou só. Escrevo com recei
o de alguém estar lendo por cima de meus ombros. A janelinha que está à minha direita recebe torrentes de água vindas do céu. Estou inquieto, irrito-me. Parece que alguém vai pular sobre mim com um punhal. Mas pelo que sinto aqui dentro se alguém pulasse agarrando-me mortalmente essa pessoa teria muito trabalho para conter-me. Prefiro deter-me com os cotovelos sobre o encosto da pequena poltrona e escrever. As palavras não vertem. O ar não me satisfaz, preciso de algo mais. Vinho! Eu ainda tenho vinho aqui. Giro a cabeça cento e três graus à esquerda e vejo garrafas em uma adegazinha que mantenho perto da porta. Posso pegar uma delas e deliciar-me, tornar-me mais uma vez bebido e trouxa da vida, vaidoso e boa pinta dentro de um Barco sozinho no Oceano. A pessoa mais próxima de mim está a cerca de trinta ou trinta e cinco léguas. Mas será que a imagem daquela mulher na garrafa pode me ajudar a entender o que se passa? Mesmo ela, de papel, feita em rótulo, segurando uma cesta de uvas escuras e frescas, com um vestido azul e branco e uma flor sobre a orelha... ela poderia me dizer o que há com tudo isso? Não agüento mais! Vou pegar a garrafa.

Claro que está empoeirada. A metade q
ue estava virada para cima parece que se tornou de veludo, puro pó. A parte de baixo está lustrosa, posso ver dentro da garrafa. Por dentro vejo o outro lado opaco e o contorno do rótulo, algum reflexo de mim mesmo na parede cilíndrica que eu encaro e, posso ver também o reflexo de coisas que estão no aposento penduradas na parede. Não se preocupe! Este é um Navio muito cheio de coisas antigas... em outros dificilmente alguém veria quadros nas paredes de uma nau, mas aqui sim. Não tenho espaço para mais nada, mas sempre acho mais espaço e trago as coisas para cá. Agora, voltando-me para o vasilhame novamente, ouço a chuva cair sobre o Convés e penso: feche os olhos e abra esta garrafa... ouvindo a chuva. O vento parou. Peguei o saca-rolha, girei, girei, forcei, abri. O vinho é sempre presente aqui, caso haja alguma visita inesperada.
A coisa mais triste desta vida é que toda vez que abro uma « bouteille Du vin » devo tomar todo o conteúdo. Ele se tornará vinagre caso eu deixe a garrafa aberta. Desperdício nem pensar. O problema é ter que tomar tudo isso sozinho. Mas não fazem doses menores de vinho por aqui, somente essas garrafas ou garrafões. Outra coisa que me deixa sendo um marujo diferente é o fato de que sou um dos únicos que navega mesmo com problemas de estômago. Refluxo. Se comer ou tomar algo muito rápido o corpo rejeita e passo mal. Mas quem diria um Capitão,com todo esse gabarito, ter fraqueza no estômago! E toda essa oscilação marítima? Ah, isso eu agüento. Nasci para isso. Nasci para aceitar o Mar do jeito que ele é, como ele estiver. Ele nunca foi obrigado a me aceitar aqui. Mas acho que ele gostou de mim. Tentou me engolir outro dia e não pôde... ...Vinho bom esse...

Está quase na metade essa garrafa. Vinho tinto semi-seco ou « Demi sec en français». Ah! Vinho na mesa derramado. Porcaria, limpo com a manga do paletó mesmo. Que sujeira. Tenho que tomar cuidado para não encostar-se ao papel. Escrevo com a mão segurando a garrafa no meio das pernas. A garrafa também está melada de vinho por fora. Agora minhas calças estão com vinho também. O cheiro de vinho toma meu espaço. E a chuva a lavar o Barco. Se ela lava o Barco lava-me também. Ora!
Levanto-me da poltrona, dou mais o derradeiro trago desta bebida divina. Tiro meu gorro, remexo a lapela do paletó, vejo-me no espelho quadrado que tem na parede na qual eu estou de frente, ajeito-me para encarar a Chuva. Vou sair. Quando eu voltar escrevo. Já estou muito bêbado.

C’est trés marveilleux rester à la pluie !
Quand tu te vais bién, tout va bien !
Une mauvaise chose c’est cette bouteille,
Se tu veux plus boir, il n’y a que rien !
C’est marveilleux, mais triste !


Sensação adorável “quand se est” do lado de fora... Estou extremamente alcoolizado e desculpe-me pelo jeito d’écrir. Não me domino plus! Estou ensopado e... ...gelado. Je suis como mon Bateau: molhado por cima e por baixo e frio e trêmulo.
Não sei... combien du temp eu fiquei lá. Je pense que une heure... ah! Mais vinho! Vou pegar mais une bouteille. Ah! Oui! Que dia poderia étre meilleur? Une demoiselle ici pour fair... ...l’amour? Si, et pourquoi pas? Escrevo, bebo... vejo en round, turne la bouteille une fois plus... et… plus, et une… fois, et… …trinte fois. Du vin est... ... ... ...fini.

Du Navio está balançando et balançando. Fiquei uma hora na chuva, Il fait froi! Será que o Barco sente que tout vacila?... ...Ah Srta da Garrafa... ... se estivésseis aqui agora... ...em carne e osso, eu faria... ...com que não tivésseis perdid’ a viagem de chegar até aqui... ... ...
Ah, não agüento écrir plus!... ... A pena... já caiu... ... ... ... ... ... ...umas dix fois.... ...Vou debruçar aqui... ... ... ... ...quem sabe essa... loucura passa!... ...
Como tudo balança... ... ... ... ...Cuidado! Tudo... ...pod’ ‘star perdiò... ...O Bateau pode ‘irar... ... ...ah! Tolice!... ...tudo é b’steira... ... ...

A minh’orelha... ... ... agor’...quer oir... ... ... ... ... aquil’ que... ...a folha tem a ‘izer... ... ... ... ... ... ...sobre tudo iss’que se’pass’ com’go... além da vontad’ de dormir... ...

... ... ... ...A hor’ qu’a folha... ... ... ...quiser falar... ... ...pode falar... ... ... ...eu vou oir... ... ... ..mas...vou olhando... ...com sono... ... ...pela fenestra da cabine... ...olhando lá fora... ...que sono ... ... ...Mas por deus... que é aquél’ som’ra... ... ... ... ...de novo?... ...É o Vizir com sua Nau de pedra.

Sal-...ve... ... ...Gran-d’ Vetusto! É sonho... não devia ter bebido... o Mar ...não me deixa em pé... ...Entra! Fica... à... vontade,... ...Ve-tusto, é o Gênio meu! Me ajuda a limpar essa Bagunça! que Crise. Como chegou aqui em meio ao Temporal? e sem Ventos... Temporal de Verão, torrencial... não tinha Vento! Mas suas Velas estão cheias mais uma vez!... ...

- Meu bom e Velho Companheiro de Mar, eu



Um comentário:

Suco de Cérebro disse...

Bom dia,Tristeza.Se sente comigo.