segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A Voz Que Ecoa


Ouvi algum barulho estranho vindo da cabine, algo caíra no assoalho de madeira carcomida. Desci para ver se não fora, de repente, algum litro de água ou vinho que vacilara com o balanço que o Mar neste dia nebuloso e frio promovia. Ao chegar abaixado pela entrada percebi que com a oscilação alguns livros antigos meus ficaram desacomodados e caíram. Tomei um a um do chão. Limpei-os, pois o estado do lugar merecia um prêmio: O Navio Mais Inviável e Cheio de Velharias. Um daqueles livros tomara minha atenção. Ao olhar a capa escura e dura de um livro de cerca de quatrocentas páginas ou mais me lembrei de alguém que vivia em Vila das Brumas, pelo menos da última fez que o vira. O dito livro levou minha mente ao encontro de uma figura que defini como Alquimista.
Foi engraçado o dia em que o conheci. Eu tinha ido a uma doca, muito longe ao norte, não saberei marcar com exatidão. Naquele dia eu estava com o corpo cansado demais e então naquela aldeia um transeunte me disse que havia um homem de forças ocultas por aquelas paragens. Logicamente não pensei duas vezes, procurei-o.
O lugar não era o mais bonito do mundo. A umidade sempre alta demais, um matagal cercava a aldeia, cheio de insetos hematófagos. Fora esse bosque, percebi que a vila era sobre uma área de mangue. Tudo cheirava a sapos e lama. Um leve cheiro de peixe também dançava em minhas narinas, o tempo todo. E a dor no corpo...

Finalmente encontrei a espelunca do famoso homem que tiraria os maus espíritos dos meus ombros. Seu casebre era sobre palafitas. A madeira já empenada e escura da casa deixava passar, por muitos vãos, a luz que emanava de dentro. Uma portinhola horrível era o acesso ao interior do domicílio. Era medonho o lugar. Confesso que fiquei com medo da casa, pois eu tinha medo de forçar a portinhola e quebrá-la. Era a moradia mais afastada das outras, totalmente isolada. Era a mais avançada sobre a água escura do alagado de modo que a palafita tremulava e produzia ondas na superfície da água que se propagavam a se perder de vista, ou até a água cansar, ou até que a ondulação da superfície encontrasse a cabeça de um sapo, que mais parecia um hipopótamo pelo tamanho. Chegando mais perto da entrada da espelunca a altura da palafita diminuía e a sensação de estar entrando na água era monstruosa. Apressei-me a falar logo com o referido doutor. Dei três toques na madeira com as mãos e ninguém respondeu. Por fim a medonha porta rangeu e começou a abrir caminho. Nesta hora eu dei uns passos dentro da casa e olhando à esquerda vi alguém de costas e sentado em uma cadeira sussurrando palavras que eu nunca tinha ouvido, fazendo movimentos com os braços que eu nunca vira. Dei uma pigarreada.

Ao perceber a minha presença:
– Ah! Diabos perfurem sua alma! Já falei que não gosto de ser importunado enquanto estudo aqui! – ao chegar mais perto, continuou – Ei! Você é novo aqui. Sabe que não pode entrar assim sem ser anunciado! O que você procura aqui nesta casa? – medindo-me.

– Venho aqui por indicação de outras pessoas que habitam aqui a aldeia. Foi-me dito que você pode tirar o meu cansaço e dor.
A conversa seguiu normalmente, ele se desculpou pela grosseria e finalmente deu-me um elixir para melhorar do mal. Em fração de minutos eu estava recuperado e intacto. Começamos uma agradável discussão sobre alguns assuntos de comum interesse. Ainda uma ilustre frase do Alquimista que me lembro também perfeitamente foi “Mantenho aqui uma Biblioteca particular. Aqui são encontrados os Volumes de Heresia, Exegese, Hermenêutica, Homilética e Literatura Farmacêutica.” Ri muito, pois eram assuntos que muito me interessavam.

Após este episódio passei a freqüentar o Manguezal, que se tornara muito familiar. O fato é que a influência daquele homem me levou a adquirir mais conhecimento sobre muitos pontos de vista sobre um mesmo objeto. Muitas citações eram feitas por ele em nome dos que ele lia.

Saudades desse grande Alquimista que transforma pequenas palavras em universos míticos e sofre por saber demais. Ele se sufoca com isso, mas enche os pulmões toda vez que profere um “por quê?”ou um “porquê”.

Não coloquei novamente os livros na estante, pois o Mar ainda prometia muito balançar.

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