quinta-feira, 13 de junho de 2013

Breve relato de Nova Zelândia

Partimos desta terra em quinze do sexto mês tentando não carregar muitas coisas. Porém, o que foi mais fácil de deixar para trás foram as bagagens em excesso, materiais. O que foi impossível de deixar foi a amizade formada lá.
Relato que por um mês tivemos a experiência de conhecermos pessoas diferentes e que talvez fossem nos evitar e nos ignorar, de certa forma. O que vimos foi o contrário, pessoas nos ajudando, acolhendo e servindo. O nome do povo de lá é "kiwi". Estas pessoas são extremamente esforçadas e querem sempre nos ver bem, gostam de nos alimentar [às vezes, até demais]. Tem excelente senso de humor, sorriem nas ruas, são elegantes e respeitam os mais velhos. Também nas ruas é possível encontrar pessoas de diversas etnias, principalmente asiáticos. Vendo assim, para nós, será praticamente impossível chegar a nossa terra natal e esquecê-los, definitivamente.
Outro ponto a ser registrado aqui é o dos vínculos feitos com pessoas de nossa própria terra natal. Eles vieram com diversos receios, mas também com muitas ansiedades, típicos de todo principiante em terras desconhecidas. Foram para lá com seus sorrisos estampados, muitos deles, camuflando a timidez da melhor forma, disfarçando a vontade de tocar em tudo apenas colocando as mãos nos bolsos. Fomos o primeiro grupo de nossa terra a desembarcar nestas terras do Pacífico Sul, lindas por natureza. Tantos lugares a ver, tantas coisas a tocar, tantas pessoas diferentes com quem conversar, ou tentar conversar em um idioma totalmente diferente, ao qual tivemos a necessidade de aprender por lá. Neste quesito, voltamos a nossa terra melhores e falantes de duas línguas diferentes, para quem não acredita que ainda seja possível aprender outro idioma depois de grande.

domingo, 1 de julho de 2012

State of mind through space and time

Oh, days pass by. Miles and miles away from homeland. This book and this feather, and even the black ink so, are my fellows and best friends. Well, what's the rest is living, and living is permit the time pass by me. Let's live and let's leave the time works as well...

Love is passing by and you follow it,
The seasons are going fast and sorrow.
Summer and others will leave you behind
If you don't comprehend that sensations
And dreaming aren't made to understand:
They are just beautiful, fast states of mind.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Fatos e Realidade

Não pense que sou apenas mais um idiota, pois
um idiota é o que não se interessa
pela própria existência.
 
Também, não pense
que sou dissimulado, pois
este cria verdades infundadas.
 
Saiba apenas que
o que os olhos veem
é resultado da ação lenta do vento,
revelando o que a areia escondia.

(Velho Marinheiro)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

E O MUNDO, E O MAR

Trespassando certo Meridiano, certo Paralelo aqui estou ainda vivo. Sem Tormentas, sem Embarcações, sem contato. É Mar a léguas para qualquer orientação que eu olho. Imagino-me sendo algo enorme, algo proporcional, mas algo também minúsculo ao ponto de ser imperceptível para qualquer decisão do Mar. A Nau singra sem mistérios, mas sem revelações importantes neste infinito vivo e inconfundível.

Momentos após momentos, muita coisa acontece no Mar, mas, simultaneamente, nada muda. Também não sei se estou assim, tão isolado de tudo, pois ainda, em algumas noites, pude ver o rosto do Vizir encarando-me pelo espelho, como se fossem dois planos coexistentes. Ainda não descobri, após esses anos, de quem se trata o Vizir.

Talvez seja loucura pensar que ele seja lembranças da Terra Firme, porém, pode ser também o futuro, que de fato não existe. Ou ele poderia ser também um pensamento sobre o Mundo.

Cá estou em um lugar, humanamente não habitável e com cheiro de vapores acres e maresias virgens: sem a menor Rota a tomar. Por quê? É a Escolha. Uma alavanca que se escolhe torcer para um lado ou para outro, modificando o trajeto das coisas. Mas o Vizir que me desculpe, eu escolhi o Mar, pois, com ele, faço me Marinheiro todos os dias. O Mundo, desculpe-me,  ó Sr. de Turbante, Ministro das Arábias e dos morros orgulhosamente altos e imponentes, para mim é apenas origem. Sei que sou filho da poeira e da eletricidade, mas a Água... me completa a vida.

***


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terça-feira, 28 de setembro de 2010

A cúpula de São Pedro e a Baleia

     Das últimas verdadeiras chances que tive de deleitar-me com uma boa leitura, poucas me marcaram tanto quanto Moby Dick. Asseguro a qualquer dama ou cavalheiro que esta é excelentemente fantástica e emocionante, inesquecível. Confesso que antes da leitura do romance eu sempre tive curiosidade por tomar o livro para ler, mas por ‘n’ motivos nunca me era possível. Mas então, em uma de minhas últimas visitas ao Alquimista, o ilustre perguntou se eu já tinha lido o Moby Dick. Obviamente respondi que não. Assim, o meu amigo Alquimista emprestou-me.

     Eu gostaria de citar aqui um breve trecho que me encantou verdadeiramente. Foi lá no final do capítulo LXVIII – O Manto, por perto da página trezentos e vinte ou trezentos e vinte e cinco que Herman Melville confronta duas realidades: a humana e a da baleia do ártico. Era algo assim, abram-se aspas:


     [...] Pois a baleia realmente enrola-se em sua gordura como se esta fosse um cobertor ou colcha; ou, melhor ainda, um poncho de índio que, ao ser enfiado pela cabeça, a envolvesse totalmente. Por causa desse providencial manto que envolve seu corpo a baleia consegue manter-se bem cômoda em qualquer temperatura, em qualquer dos mares, em quaisquer ocasiões e correntes. Se não possuísse esse manto protetor como poderia a baleia da Groenlândia nadar nos gélidos e tiritantes mares setentrionais? Há outros peixes que se conservam bastante ativos em águas hiperbóreas, mas esses, diga-se de passagem, são peixes de sangue frio e que não possuem pulmões, cujas barrigas são perfeitas geladeiras; seres que se aquecem ao abrigo de um iceberg, como um viajante se aqueceria ao pé do fogo durante o inverno, em uma estalagem; ao passo que a baleia possui pulmões e sangue quente como o homem. Caso seu sangue se congele ela morrerá. Por isso é surpreendente – a não ser para os que já receberam explicação – que esse monstro enorme, para o qual o calor do corpo é tão indispensável como o é para o homem, fique à vontade, quase totalmente submerso, por toda a vida, em águas árticas, onde, os marinheiros ao cair, muitas vezes são encontrados, tempos depois, gelados perpendicularmente no âmago dos blocos de gelo, como se fossem moscas dentro do âmbar. Mas o que nos surpreende ainda mais é saber que o sangue da baleia polar é mais quente do que o de um negro do Bornéu durante o verão.


     Parece-me que se pode ver nisso um raro valor de uma forte vitalidade, o raro valor de paredes grossas e o raro valor da amplitude interna. Ó homem! Admira a baleia e a tome como exemplo! Mantém seu calor no meio do gelo! Vive neste mundo, também, sem pertencer a ele. Mantém-te frio no Equador; conserva o sangue fluido no pólo. Como a imponente cúpula de São Pedro e como a vasta baleia, retém, ó homem, em todas as estações tua própria temperatura.
     Mas como é fácil e difícil ensinar essas tais coisas! Dos edifícios que conhecemos, como são poucos os que possuem domos como o de São Pedro! E das criaturas, como são poucas as que possuem o tamanho das baleias!


     Fecham-se aspas.

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sábado, 23 de janeiro de 2010

LEVIATÃ

Relato o visto de hoje, com o sol a pino, que foi um leviatã. O mamífero máximo de nossa era abalroou-Nos. A estebordo pensei tratar-se de rochas, mas fora uma baleia de corcóva.
Não houve avarias, mas a besta marinha, por momentos, permaneceu parada diante de meus olhos, ainda com a fuça debruçada sobre meu olhar, talvez pensando "o que será esta besta de ventre duro que me pára à frente? Será um sonho? Será um predador?" Ah que vontade de ter podido conversar com ela e ter aprendido o que ela sabe sobre tudo isso que é viver sem limites de compreensão.
Momentos depois, imaginei que ela estivesse apenas esperando alguma palavra minha, qualquer coisa. Então eu disse a ela (ou ele), como quem tenta se desculpar de algo pouco profundo:

- Pois é, acontece! - disse eu, com ar amistoso.

Neste momento senti que ela entendera, e ela submergiu para longe da luz. Ficou o redemoinho na face líquida e espumante do Mar.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A Mais Recente Conquista Humana

Sou um artista. Daqueles que vivem da arte de navegar. Navegar longe. Não me importam as cores, as texturas, o importante é relatar, estar, ser e viver a mágica de manter o Navio sobre as ondas.
Há quem diga que o último estágio da evolução animal é a conquista da posição ereta. Pois eu completo a frase dizendo:

"O último estágio da evolução animal, depois da coluna ereta, é a conquista do direito de andar sobre as águas, assim como, por outros fatores, as aves desenvolveram suas asas e alçaram vôo às terras mais desabitadas."

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Fora da Lucidez

Foi apenas um presságio, pois neste momento acordei de um devaneio.
Não houve ilha, não houve moscas, nem pássaros. Eles estavam em minha mente danificada pela solidão. Mesmo assim, experimentei estar lá, e foi bom.
Espero que isso aconteça novamente, e que seja real. Talvez eu só saiba quando e se a ilusão acabar. Agora continuo aqui debruçado a bombordo, apreciando o sol que se põe lentamente e essa é a realidade e é nisso que devo pensar.

Um homem jamais toca com as mãos aquilo em que ele não acredita.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Um pouco de Terra

Um pouco de Terra...
Neste dia encontrei um pouco de Terra.
Que sensação ótima de encontrar firmeza para os pés. Tive pressa de tocá-la.
Antes de tudo comecei o trabalho de desfazer as velas, ancorar. Eu não conseguia tirar os olhos daquele Oásis. Agradeci aos Ventos, tudo me fora bom, inclusive a agonia da solidão... Nem meu Fantasma, o Vetusto, me visitou.
Desembarquei ao cair da noite nesta praia paradisíaca... que aroma bom.
Ao cair da noite senti a suavidade da areia que assoviava entre meus dedos... os grânulos que se atritavam e me cobriam até os tornozelos.
Era desconhecido o lugar, mas havia marcas ali, em alguns lugares...
alguém esteve aqui e se foi, a muito tempo, eu diria meses. As marcas de pés estavam intocadas... Eram pés calçados... Os detalhes me encheram de tristeza... Havia dois sentidos de andares nas pegadas: as que entram na ilha e as que saem da Ilha, sentido mar-terra e sentido terra-mar.
a minha tristeza foi perceber que as pegadas terra-mar eram mais profundas do que as primeiras. Com isso deduzi algo ruim: essa pessoa veio, Abasteceu-se e foi-se. Agrediu o Lugar e saiu.
Mas a Ilha aprendeu com isso, recobrou-se. Mas as marcas estavam lá, para quem quisesse ver.
Tive que pernoitar na própria Ilha. Adormeci extasiado com o aroma verde e perfumado de lá.

Não usei botas, eu quis sentir a ilha o tempo todo.
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Pássaros e Moscas?

Eu não pude acreditar no que eu via
Pássaros e Moscas em meu Convés
Isso é sinal de Terra!

Eu não pude conter o que pensava
Pássaros e Moscas em meu Convés
Isso é sinal de Terra!


Eu não pude evitar a extrema alegria
Pássaros e Moscas em meu Convés
Isso é sinal de Terra!


Eu queria poder descrever a cena
Pássaros e Moscas em meu Convés
Isso é sinal de Terra!


Já me disse uma vez o meu Avô:
Pássaros e Moscas em um Convés
Isso é sinal de Terra!


Vou alimentar os visitantes da nau
Pássaros e Moscas em meu Convés
Isso é sinal de Terra!
Terra à vista!

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Determinar os Limites do Infinito

A bomba que pulsa em meu peito,
A certeza da vida após a morte,
És um oceano infinito de prazer e dor.

O fim do começo de um Amor determinado
Que arde como brasa no forno deste corpo e,
Ao acender, arde e fecha os olhos do ferido

O fogo deste forno se foi e inflado o fole foi
E impetuosamente pôs-se a propelir à brasa
Carga eólica, causando a combustão original.

A mecânica da máquina está acelerada
E ouve-se o ranger das mandíbulas do Marinheiro
É vez de dar aos Ventos as Velas.

Nesta Nau são profanados os Deuses e,
Com muito vigor, açoitados os ladrões
Mesmo que as duas atitudes sejam inversas.
"Não são todos os Ventos que levam o Marinheiro ao Destino"

(Velho Marinheiro)

domingo, 23 de novembro de 2008

Feitos para isso

Justo. É bem justo sentir isso agora, nesta etapa da jornada. Eu, pela janelinha, ainda posso ver o que resta de terra ao meu redor, e isso será a minha última visão de continente por longos meses. Vou olhar mais uma vez para ver que palavra vem à mente.

Adeus. Pesa demais esta expressão quando é dita por alguém que está com um Barco no Mar com esperança quase nula de encontrar aquela peça que poderá trazer um lampo para esta penumbra que é a minha sobrevivência. Qualquer pessoa que me der um motivo para agir de forma impensada já faz com que meus ânimos se alegrem. Isso não é vida humana. Pareço mais um mercenário, sendo comprado e vendido por serviços pecaminosos. Tenho agido pelas mentes insanas de meus convivas de terra. Devo mudar, voltar a ser quem eu era.

Após este pequeno relato de um momento nostálgico de olhar para trás (literalmente) fecharei os olhos e tentarei imaginar o que eu gostaria de encontrar logo que terminar minha jornada. É, não vejo nada concreto. Tudo muito confuso, pareço não saber exatamente os meus desejos. Mas, enfim, não convém a mim decidir isso, cabe ao Mar.

É pensando assim que devo agora levantar-me, ir para o Convés e guiar-me observando o Oceano. É loucura pensar que não posso mais voltar para trás. Não sei o que me espera. Particularmente acho que não haja mais nada além de água, pois, se houver terra além dos limites que vejo, ela estará fora do meu alcance. Eu não terei forças para transpor a barreira da distância. O Mar me guia, o Vento me empurra. Eles foram feitos para isso.

sábado, 22 de novembro de 2008

A Partida

Tudo abastecido. Os porões estão carregados com mantimentos para uma grande viagem. Embarquei tudo nesta manhã e, pelos meus cálculos, será o suficiente para alguns dias sem ver terra firme, rodeado apenas por Mar.

Partirei com um rumo incerto. Sei o que quero, mas não sei onde está isso. Acredito que isso exista, mas não sei se está perto ou longe. A certeza que tenho é que não está comigo - tenho de buscar. Posso explicar melhor: busco contentamento. Fartei-me já com o que me cerca aqui.

Pode ser sim que eu volte para cá algum dia, mas não sem isso que me falta - alguma coisa que é parte de mim chama-me neste exato momento. Sou meu próprio guia dentro de um labirinto sem luz.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Teorias da Geração do Caos

Mais dias calmos. Mas os escândalos mentais continuam. Não sei precisar o que os causa. Ainda devo pensar um pouco mais sobre os acontecimentos e sobre o meu comportamento. É verdade que tenho me tornado mais sensível às palavras. Durante o período em que fiquei na cidade eu pude perceber que meu humor subitamente mudava. percebo meu queixo enrugado, a testa também. Desconheço as causas. Nervosismo à flor da pele, uma alma sem calma. Não sei o que fazer neste mundo de água. "O saber me sufoca". Sinto a desconfiança no ar. Pessoas que estavam ao meu redor sempre a espreitar. Elas me olhavam por cima dos ombros. Eu as trucidava mentalmente, uma a uma. Que grande prazer... ah um alívio poder ter liberdade para pensar em tudo.

Mas ainda não é tudo, eu quero mais. O prazer não está completo. Por mais que eu durma, mais o tempo cobra. Quanto mais eu fujo, mais o espaço se apequena. Que quer que eu faça não faço bem. O Convés ainda sujo e bagunçado. Não limparei. Este é o estado em que se encontra o Barco, a realidade mor. E essa maldita calmaria que não tem fim me perturba de forma quase que insana.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A Carta do Vizir



Marujo,



Agora sento-me à mesa à qual estavas a escrever antes de ver-me.


Escrevo esta carta a ti durante teu transe.

Vi-te por a fenestra no momento em que fecharas os olhos.

Gostaria eu de questionar-te sobr' algumas cousas importantes,

contudo percebo que não estás em condições sadias para que penses.

Deixar-te-ei que leia este recado após despertar. Crê em meu retorno!

Mas para que não penses que apenas embebedou-te e caíste de sono,

descrever-te-ei enquanto deliras.


O primeiro momento foi de nulidade, depois o de reconhecimento. Teus olhos pararam as contrações, depois entreabríste as pálpebras. Ainda escorreu algum vinho de tua boca e mais, e mais, e mais, e pelo nariz. Teu corpo tremulava muito rapidamente ao ponto de os fios de cabelo tremerem tanto quanto rápido. Teu rosto atrita contra o chão agora. Tu não te acordas e entra em transe mais profundo ainda.


Tu, agora, não sabes se deixa as pernas esticadas ou recolhidas, tudo parece doer. Mas dói realmente. É uma dor que se sente quando não se pode fazer nada contra si mesmo. A dor do infortúnio em que caíste quando resolveu enfrentar o Mar pela primeira vez. Sabes de tua Culpa. Ela queima e suja teu éter. Se tivésses mantido tua palavra desde o dia em que prometera a ti mesmo não enfrentar o Mar nessas Luas não terias ao menos entrado n'Água. Teus punhos agora contorcem-se ininterruptamente.


Coço minha barba e penso como deve estar um inferno dentro deste corpo sofredor. Apóio meu queixo sobre um braço que se apoia pelo cotovelo na mesa e raciocino como deve ser o Inverno dentro da tua mente. Nada flui, tudo está parado na cabeça e as imagens são monocromáticas.


Pense nisso! Após acordar, tente recordar estas sensações! Poderás conseguir lembrar. Terias então um sucesso no insucesso. Agora tua cor já não está mais azulada. Volta à consciência, se é que posso nomear desse modo!


Entrego tua pena,


Vetusto.
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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Companhia Sempre Presente

Ia começar a chover. Dentro de instantes as gotas cairíam pelo Barco... ouça, começou! Parece que sinto cada gota cair sobre o Convés. Sinto cada pingo tocar e espalhar-se pela superfície gelando-a. O Mar está calmo, assim como o Marinheiro, mas há um ar de inquietude nisso tudo. Seria o fato de o Mar estar calmo com todas essas Nuvens e Vento? Algo não se adéqua a este cenário, mas não consigo identificar o que seria. Parece que estou em terra de tão parada que a água está. Não oscilo. Não vacilo. Consigo olhar para o prato com uma uva no centro sem que ela se mova. O Navio não encalhou, senão eu teria ouvido raspões na quilha.
Algo me leva a pensar que não estou só. Escrevo com recei
o de alguém estar lendo por cima de meus ombros. A janelinha que está à minha direita recebe torrentes de água vindas do céu. Estou inquieto, irrito-me. Parece que alguém vai pular sobre mim com um punhal. Mas pelo que sinto aqui dentro se alguém pulasse agarrando-me mortalmente essa pessoa teria muito trabalho para conter-me. Prefiro deter-me com os cotovelos sobre o encosto da pequena poltrona e escrever. As palavras não vertem. O ar não me satisfaz, preciso de algo mais. Vinho! Eu ainda tenho vinho aqui. Giro a cabeça cento e três graus à esquerda e vejo garrafas em uma adegazinha que mantenho perto da porta. Posso pegar uma delas e deliciar-me, tornar-me mais uma vez bebido e trouxa da vida, vaidoso e boa pinta dentro de um Barco sozinho no Oceano. A pessoa mais próxima de mim está a cerca de trinta ou trinta e cinco léguas. Mas será que a imagem daquela mulher na garrafa pode me ajudar a entender o que se passa? Mesmo ela, de papel, feita em rótulo, segurando uma cesta de uvas escuras e frescas, com um vestido azul e branco e uma flor sobre a orelha... ela poderia me dizer o que há com tudo isso? Não agüento mais! Vou pegar a garrafa.

Claro que está empoeirada. A metade q
ue estava virada para cima parece que se tornou de veludo, puro pó. A parte de baixo está lustrosa, posso ver dentro da garrafa. Por dentro vejo o outro lado opaco e o contorno do rótulo, algum reflexo de mim mesmo na parede cilíndrica que eu encaro e, posso ver também o reflexo de coisas que estão no aposento penduradas na parede. Não se preocupe! Este é um Navio muito cheio de coisas antigas... em outros dificilmente alguém veria quadros nas paredes de uma nau, mas aqui sim. Não tenho espaço para mais nada, mas sempre acho mais espaço e trago as coisas para cá. Agora, voltando-me para o vasilhame novamente, ouço a chuva cair sobre o Convés e penso: feche os olhos e abra esta garrafa... ouvindo a chuva. O vento parou. Peguei o saca-rolha, girei, girei, forcei, abri. O vinho é sempre presente aqui, caso haja alguma visita inesperada.
A coisa mais triste desta vida é que toda vez que abro uma « bouteille Du vin » devo tomar todo o conteúdo. Ele se tornará vinagre caso eu deixe a garrafa aberta. Desperdício nem pensar. O problema é ter que tomar tudo isso sozinho. Mas não fazem doses menores de vinho por aqui, somente essas garrafas ou garrafões. Outra coisa que me deixa sendo um marujo diferente é o fato de que sou um dos únicos que navega mesmo com problemas de estômago. Refluxo. Se comer ou tomar algo muito rápido o corpo rejeita e passo mal. Mas quem diria um Capitão,com todo esse gabarito, ter fraqueza no estômago! E toda essa oscilação marítima? Ah, isso eu agüento. Nasci para isso. Nasci para aceitar o Mar do jeito que ele é, como ele estiver. Ele nunca foi obrigado a me aceitar aqui. Mas acho que ele gostou de mim. Tentou me engolir outro dia e não pôde... ...Vinho bom esse...

Está quase na metade essa garrafa. Vinho tinto semi-seco ou « Demi sec en français». Ah! Vinho na mesa derramado. Porcaria, limpo com a manga do paletó mesmo. Que sujeira. Tenho que tomar cuidado para não encostar-se ao papel. Escrevo com a mão segurando a garrafa no meio das pernas. A garrafa também está melada de vinho por fora. Agora minhas calças estão com vinho também. O cheiro de vinho toma meu espaço. E a chuva a lavar o Barco. Se ela lava o Barco lava-me também. Ora!
Levanto-me da poltrona, dou mais o derradeiro trago desta bebida divina. Tiro meu gorro, remexo a lapela do paletó, vejo-me no espelho quadrado que tem na parede na qual eu estou de frente, ajeito-me para encarar a Chuva. Vou sair. Quando eu voltar escrevo. Já estou muito bêbado.

C’est trés marveilleux rester à la pluie !
Quand tu te vais bién, tout va bien !
Une mauvaise chose c’est cette bouteille,
Se tu veux plus boir, il n’y a que rien !
C’est marveilleux, mais triste !


Sensação adorável “quand se est” do lado de fora... Estou extremamente alcoolizado e desculpe-me pelo jeito d’écrir. Não me domino plus! Estou ensopado e... ...gelado. Je suis como mon Bateau: molhado por cima e por baixo e frio e trêmulo.
Não sei... combien du temp eu fiquei lá. Je pense que une heure... ah! Mais vinho! Vou pegar mais une bouteille. Ah! Oui! Que dia poderia étre meilleur? Une demoiselle ici pour fair... ...l’amour? Si, et pourquoi pas? Escrevo, bebo... vejo en round, turne la bouteille une fois plus... et… plus, et une… fois, et… …trinte fois. Du vin est... ... ... ...fini.

Du Navio está balançando et balançando. Fiquei uma hora na chuva, Il fait froi! Será que o Barco sente que tout vacila?... ...Ah Srta da Garrafa... ... se estivésseis aqui agora... ...em carne e osso, eu faria... ...com que não tivésseis perdid’ a viagem de chegar até aqui... ... ...
Ah, não agüento écrir plus!... ... A pena... já caiu... ... ... ... ... ... ...umas dix fois.... ...Vou debruçar aqui... ... ... ... ...quem sabe essa... loucura passa!... ...
Como tudo balança... ... ... ... ...Cuidado! Tudo... ...pod’ ‘star perdiò... ...O Bateau pode ‘irar... ... ...ah! Tolice!... ...tudo é b’steira... ... ...

A minh’orelha... ... ... agor’...quer oir... ... ... ... ... aquil’ que... ...a folha tem a ‘izer... ... ... ... ... ... ...sobre tudo iss’que se’pass’ com’go... além da vontad’ de dormir... ...

... ... ... ...A hor’ qu’a folha... ... ... ...quiser falar... ... ...pode falar... ... ... ...eu vou oir... ... ... ..mas...vou olhando... ...com sono... ... ...pela fenestra da cabine... ...olhando lá fora... ...que sono ... ... ...Mas por deus... que é aquél’ som’ra... ... ... ... ...de novo?... ...É o Vizir com sua Nau de pedra.

Sal-...ve... ... ...Gran-d’ Vetusto! É sonho... não devia ter bebido... o Mar ...não me deixa em pé... ...Entra! Fica... à... vontade,... ...Ve-tusto, é o Gênio meu! Me ajuda a limpar essa Bagunça! que Crise. Como chegou aqui em meio ao Temporal? e sem Ventos... Temporal de Verão, torrencial... não tinha Vento! Mas suas Velas estão cheias mais uma vez!... ...

- Meu bom e Velho Companheiro de Mar, eu



quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Vetusto, O Vizir

Agora estou na minha cabine, sob um cobertor e com uma xícara de chá fervendo sobre a mesa. O fato de hoje foi de grande valia para esse solitário marujo. Estou neste estado por causa de uma Tormenta fabulosa que houve por aqui. Uma vela foi reduzida a farrapos e não consegui pescar absolutamente nada, mas tudo por culpa minha. A grande sorte foi que no meio da tarde alguém surgiu por aqui de turbante em uma caravela enorme de pedra. Um sujeito que, ao que me parece, viera do Oriente. Ele me ajudara muito mas eu nao sei seu nome, nem sei se voltarei a vê-lo algum dia...

Mas todo o transtorno começou com Ventos absurdamente fortes. Logo depois os mesmos diminuíram e eu pude levantar todas as velas. A Nau estava à toda tração e eu não pararia por nada. Os respingos vinham ao rosto fortemente e eu feliz da vida, pois em pouco mais de duas horas eu me deslocara mais do que a semana passada inteira.

Talvez sim, tivera sido confiança demais em pensar que os Ventos estariam constantes e não mudariam sua intensidade. O tempo fechou, o céu escureceu... começou a chuviscar... no Mar tudo acontece muito rápido, mas desta vez foi mais rápido. Os ouvidos ouviam assobios do Vento, as velas trovejavam. As rugosidades da água tornavam-se mais amplas... lentamente o ar de progresso e propulsão fora substituído por confusão e revoluções nas velas... instabilidade surgira... eu não poderia desesperar-me.

O Mar criou uma cavidade enorme a sota-Vento e lá entramos. O Navio desceu lentamente e eu vi uma muralha de água salgada ser erguida... tão logo o costado ficou suspenso da água, durou alguns segundos e, quando voltou para a água, começou a subir pelo paredão, na vertical... não pude precisar a altura daquilo, só lembro que neste momento subíamos aceleradamente rumo ao topo abrupto... conforme ocorria a subida, o Navio tombava, ficando com o mastro na horizontal totalmente e piorando... eu olhava além da ponta do mastro, a vinte e cinco metros da minha cabeça e conseguia ver o Mar e o singrado que o Barco fizera há pouco. Segurei firmemente o timão e amarrei-me a ele com uma corda pela cintura. Eu já não sentia os braços pela força que fizera e não sentia o rosto e o peito pelas salvas de água salgada... eu esperei pelo momento em que o Barco chegaria ao cume do monstruoso edifício líquido que fora criado e tive um súbito: eu teria que recolher as velas para que o Vento não voltasse a nos arrastar pela água, se é que estaríamos em pé sobre a água logo que a embarcação voltasse à posição horizontal. Mas eu sabia que eu teria que ter sorte para que o Navio, assim que ficasse flutuante sobre o ar e caindo lentamente ele poderia já tocar a água fora de prumo e inundar-se... teria que ter sorte... e o Barco subia velozmente e eu estava preso ao timão, não conseguiria chegar às cordas e recolher as velas, nem ao menos uma, a principal... soltei o timão e procurei o nó da corda na cintura, encontrei-o e desatei-o. eu não conseguia andar corretamente porque o chão estava na vertical e eu desorientado. Seria a morte deixar as velas receberem totalmente a carga Eólica. Com o punhal consegui cortar uma, duas e três cordas... deixei que as roldanas girassem livremente baixando as hastes da vela principal... a vela avançada ia forçar o mastro da frente, mas não tinha jeito; dos males, o menor... pulei no mastro e agarrei a borda da vela para puxá-la e acelerar a descida dela... eu olhei o tecido por onde minha mão passava e segurava e vi que havia Sangue nas mãos... mas não podia parar. No momento em que fiz essa reflexão, senti o corpo leve cada vez mais, os pés saíram do chão, as velas terminaram de baixar e eu vi o Navio retomar sua posição inicial, na horizontal e flutuar como se fosse um pássaro, e eu juntamente... começou a cair. A água que mal se assentara ainda estava furiosa e infernal. Houve um estrondoso impacto entre o casco e a água... eu fora arremessado diretamente de encontro ao chão violentamente... caíra de lado, protegendo a cabeça (poderia cair meu punhal sobre mim, mas o Mar o teria levado). Pelo menos o céu estava sobre a minha cabeça mais uma vez, e o mastro apontando para cima. O principal estava a apontar, mas o avançado não. Este se partira ao meio e a vela estava desgarrada dos ajustes e no decorrer do castelo ela se estirava... minha pele ardia por causa do Sol que viera e o Vento não arrastava o Barco mais.

Era hora de reparar os danos. “Haja coragem para olhar!” eu disse sozinho, desvestindo a camisa repleta de detritos que vieram com a água, pedaços de pequenas algas, cascalho, etc. Eu ainda não me aventurara a abrir os olhos para ver a realidade que devastara o meu humilde companheiro.

Quase caí de costas ao ver a catástrofe naval sobre o Convés. A superfície por onde eu ando é declive. Os modelos mais antigos não eram inclinados, mas este o é. Olhando-se o Navio de cima pode-se perceber uma linha que o divide ao meio, em bombordo e estibordo (lado esquerdo do Navio, olhando-se da popa à proa e lado direito). Esta linha imaginária passa pelo centro no Navio, desde a proa, passando pela base dos mastros, findando na popa. Desta parte central do Convés até a sua borda percebe-se uma caída. A bombordo a caída é à esquerda e a estibordo a caída é à direita, para que a água invasora não permaneça sob os pés. Desta maneira a água escoa pelas frestas laterais e escorre pelo casco voltando para o Mar.

Enquanto a água ainda saía do Navio eu via muitos equipamentos de navegação bagunçados e soltos pelo chão. Tudo estava parado. Meu rosto e meus ombros ardiam muito. Eu limpara o Sangue das mãos na camisa imprestável e molhada. Ainda esperaria retomar forças para organizar as coisas e tentar chegar a algum lugar para consertar tudo.

Nada de peixes, apenas cascalho. A fome atordoava e senti os lábios coçarem por dentro... uma pedra caíra junto a mim... espatifou-se... de onde ela viera?... do Navio ao lado.

Eu não notara a presença daquela gigantesca e monumental Caravela negra. E ela era de pedra. A cor do céu mudara, luzes vinham de dentro da cabine e da sala de navegação da Caravela. Como Ela chegara sem muitos Ventos? E as avarias da tempestade?... a quem pertenceria aquele colosso da engenharia? Aquilo desafiava as leis da natureza... um Navio feito inteiro de pedras e que flutuava. De onde viera?... havia alguém lá.

Pelo que eu podia ver era um velho homem de barbas brancas e amareladas. Não conseguia ver sua boca, as sobrancelhas perfeitamente brancas também eram largas e cobriam os olhos, que eram fundos... eu não os via, apenas uma sombra. Ele usava um turbante que, a meu ver, seria característico de um vizir, e roupas muito largas e escuras... ele deveria ser um vizir. As pontas do bigode eram espiraladas para cima: era um vizir, definitivamente.

O estrangeiro ajeitou o manto que o cobria desde o pescoço aos tornozelos e saltou de uma nau à outra. Perguntou-me sobre o que acontecera com o Navio e eu lhe respondi que eu passara pelo meio de uma tempestade e que no meio do Mar houvera um Abismo do qual escapei, mas restaram os danos no Navio. O homem rira.

- Você deveria tomar mais cuidado com essas variações meteorológicas! – ele pegara do chão o meu punhal que estava embaixo de alguns metros de corda caída.

- Pegou-me de surpresa esse Vendaval e chuva. Tornou-se uma calamidade... veja só... quebrou tudo. Preciso chegar a um porto para poder ter ajuda para tudo isso, fora as coisas que terei que comprar – eu disse abrindo os braços e lamentando tudo – Mas você não passou pela tempestade? Como chegou até aqui sem que seu Navio virasse? E todas as suas velas? Como estão cheias se não há tanto Vento para isso agora? Tem mais alguém com você?

- Perguntas demais... não, não tem mais ninguém comigo. Venho só.

Pelo tamanho da Caravela dele, eu acredito que, com mastro e tudo, o meu Navio caberia dentro da sala de navegação dele. Incrível o tamanho daquilo, e para um homem sozinho. Eu não podia acreditar. Era de pedra! As cordas eram da largura do meu pescoço. A Nau era inteira negra... eu não sabia que tipo de Navio era aquele, mas eu estava com medo de perguntar. Para mim era uma Caravela de pedra. E todo o Barco era limpo e impecável, com todas as coisas simétricas e organizadas... fiquei admirado com aquilo.

- Como é seu nome? Você é do Oriente?

- Chame-me de Vetusto e eu vim do Oriente sim, mas há muito tempo, muito tempo. Eu gostaria de ajudar você a se recuperar da sua fraqueza, depois você conserta sua embarcação. Pode ser?

- Pode ser sim, por favor!

Após isso, juro que não me lembro de mais nada. Lembro-me apenas do momento em que eu saltei do meu Navio para o dele e, num piscar de olhos eu, sentado em uma banqueta na cabine dele tomando um elixir, senti-me ótimo e levantei-me, mas ainda a ter a pele ardendo, mas não tinha mais fome. Do Navio dele eu via que o Vento era forte o suficiente para encher as velas. Não entendi, pois o meu continuava parado e, de algum jeito, ambos estavam singrando juntos, mas o meu sem Vento. Não me lembro de mais nada...

O próximo momento foi quando eu voltei para o meu Barco. Voltei e vi que tudo estava limpo, consertado e novo... como? Eu não conseguia pensar! Fora rápido demais... ele me dera alguma droga, com certeza... mas não, ele não fizera isso. Fora sono mesmo e cansaço. Ele tinha me dito que eu dormira algumas horas e nesse intervalo ele consertara o meu Vaso Marítimo. Como ele fizera aquilo eu não sei até agora, mas compreendo que me foi passada uma idéia muito interessante. Ele deixou comigo um livreto que até agora não li. Ele também disse uma frase muito importante sobre tomar cuidado sempre. Vez após vez, alguma coisa é diferente por mais experientes que sejamos. No Mar, devemos estar o tempo todo preparados para surpresas. O destino tem suas mãos muito rápidas.


Como ele mesmo dissera:


O Destino é um gorila enjaulado,

Zomba dele, ri dele, faze-o piada,

E ele jogará estrume e pedras em ti.

(Vetusto, O Vizir)

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A Voz Que Ecoa


Ouvi algum barulho estranho vindo da cabine, algo caíra no assoalho de madeira carcomida. Desci para ver se não fora, de repente, algum litro de água ou vinho que vacilara com o balanço que o Mar neste dia nebuloso e frio promovia. Ao chegar abaixado pela entrada percebi que com a oscilação alguns livros antigos meus ficaram desacomodados e caíram. Tomei um a um do chão. Limpei-os, pois o estado do lugar merecia um prêmio: O Navio Mais Inviável e Cheio de Velharias. Um daqueles livros tomara minha atenção. Ao olhar a capa escura e dura de um livro de cerca de quatrocentas páginas ou mais me lembrei de alguém que vivia em Vila das Brumas, pelo menos da última fez que o vira. O dito livro levou minha mente ao encontro de uma figura que defini como Alquimista.
Foi engraçado o dia em que o conheci. Eu tinha ido a uma doca, muito longe ao norte, não saberei marcar com exatidão. Naquele dia eu estava com o corpo cansado demais e então naquela aldeia um transeunte me disse que havia um homem de forças ocultas por aquelas paragens. Logicamente não pensei duas vezes, procurei-o.
O lugar não era o mais bonito do mundo. A umidade sempre alta demais, um matagal cercava a aldeia, cheio de insetos hematófagos. Fora esse bosque, percebi que a vila era sobre uma área de mangue. Tudo cheirava a sapos e lama. Um leve cheiro de peixe também dançava em minhas narinas, o tempo todo. E a dor no corpo...

Finalmente encontrei a espelunca do famoso homem que tiraria os maus espíritos dos meus ombros. Seu casebre era sobre palafitas. A madeira já empenada e escura da casa deixava passar, por muitos vãos, a luz que emanava de dentro. Uma portinhola horrível era o acesso ao interior do domicílio. Era medonho o lugar. Confesso que fiquei com medo da casa, pois eu tinha medo de forçar a portinhola e quebrá-la. Era a moradia mais afastada das outras, totalmente isolada. Era a mais avançada sobre a água escura do alagado de modo que a palafita tremulava e produzia ondas na superfície da água que se propagavam a se perder de vista, ou até a água cansar, ou até que a ondulação da superfície encontrasse a cabeça de um sapo, que mais parecia um hipopótamo pelo tamanho. Chegando mais perto da entrada da espelunca a altura da palafita diminuía e a sensação de estar entrando na água era monstruosa. Apressei-me a falar logo com o referido doutor. Dei três toques na madeira com as mãos e ninguém respondeu. Por fim a medonha porta rangeu e começou a abrir caminho. Nesta hora eu dei uns passos dentro da casa e olhando à esquerda vi alguém de costas e sentado em uma cadeira sussurrando palavras que eu nunca tinha ouvido, fazendo movimentos com os braços que eu nunca vira. Dei uma pigarreada.

Ao perceber a minha presença:
– Ah! Diabos perfurem sua alma! Já falei que não gosto de ser importunado enquanto estudo aqui! – ao chegar mais perto, continuou – Ei! Você é novo aqui. Sabe que não pode entrar assim sem ser anunciado! O que você procura aqui nesta casa? – medindo-me.

– Venho aqui por indicação de outras pessoas que habitam aqui a aldeia. Foi-me dito que você pode tirar o meu cansaço e dor.
A conversa seguiu normalmente, ele se desculpou pela grosseria e finalmente deu-me um elixir para melhorar do mal. Em fração de minutos eu estava recuperado e intacto. Começamos uma agradável discussão sobre alguns assuntos de comum interesse. Ainda uma ilustre frase do Alquimista que me lembro também perfeitamente foi “Mantenho aqui uma Biblioteca particular. Aqui são encontrados os Volumes de Heresia, Exegese, Hermenêutica, Homilética e Literatura Farmacêutica.” Ri muito, pois eram assuntos que muito me interessavam.

Após este episódio passei a freqüentar o Manguezal, que se tornara muito familiar. O fato é que a influência daquele homem me levou a adquirir mais conhecimento sobre muitos pontos de vista sobre um mesmo objeto. Muitas citações eram feitas por ele em nome dos que ele lia.

Saudades desse grande Alquimista que transforma pequenas palavras em universos míticos e sofre por saber demais. Ele se sufoca com isso, mas enche os pulmões toda vez que profere um “por quê?”ou um “porquê”.

Não coloquei novamente os livros na estante, pois o Mar ainda prometia muito balançar.

domingo, 14 de setembro de 2008

A Grande Surpresa


No final do dia de ontem atraquei minha pequena Nave em Vila das Brumas. Meu intuito era ir para uma taberna para rever os companheiros de terra. Após a partida de Pupe senti-me inóspito em mim mesmo, eu não tinha motivação nem para limpar o Convés, o Castelo nem nada.
Combinamos um encontro, a Antiga Estiva, a Nova Estiva e eu. Mais à noite saímos para uma taberna à qual não tínhamos ainda ido. É certo que eu não me sentia cem porcento à vontade, pois algo estava a rondar-me, mas eu não sabia precisar o quê. Por fim chegamos de carruagem ao local. Fui o primeiro a chegar, logo em seguida vieram os outros. Levamos para lá alguns instrumentos musicais. O dono do lugar abria espaço para expressões musicais.
Após tomarmos algumas garrafas de várias degustações diferentes prosseguimos com mais músicas que meus amigos e eu haviamos nos comprometido a relembrar com os presentes no requintado recinto. Coloquei a garganta no aquecimento e desfrutamos de algumas horas de bons temas. Muitas pessoas estavam presentese, entre elas, alguém que, diga-se de passagem, sempre tive muito respeito e carinho. Era a Camponesa. Refiro-me a ela desta forma porque seus Traços remetem-me à mulher do campo, com rosto simples, longos cabelos, um vestido também característico e um olhar penetrante, fora o seu sorriso que me vale mais do que todas as outras jóias que eu já pude ver e tocar. Os olhos, pérolas negras que várias vezes já vi sofrer, mas nunca perderam o Brilho. Em muitas ocasiões em que eu decidia perambular pelos becos de Vila das Brumas nos encontrávamos. Era uma pessoa inigualável, desde o pé, que tinha um Desenho lindo, até a voz, a qual eu adorava ouvir. Não pense que esta é uma forma de revelar-me, mas é, talvez sim, uma forma mais sutil de dizer o quanto gosto da Camponesa.
Pode ser que todo o tempo que levei para escrever este parágrafo tenha sido a mesma duração do tempo em que fixei meus pensamentos nela enquanto eu cantarolava com meus parceiros. Por pouco eu não perco o rítmos das melodias, vez após vez.
No final das contas eu fiquei contente, mesmo que por alguns momentos, porque depois da apresentação e dos aplausos que recebemos (não me lembro de vaias, não que elas não tenham ocorrido, mas não me recordo) ela veio saudar-me com um longo e afetuoso abraço e palavras de maior sentimento, pois ela soubera pouco antes que Pupe teria ido embora junto com J. C. Aronte (ou Ronte... Juro que uma hora dessas eu lembro corretamente o nome dele). Demonstrou ser uma companheira muito fiel a mim pelas condolências que trouxera.
Digo nestas folhas de hoje escritas que estas pessoas que muitas vezes pensamos estarem longe demais, na realidade pertencem a um plano de existência onde não há tempo nem espaço. Somos humanos e podemos ter muitas dúvidas sobre as coisas que nos são dadas a saber. Algumas outras devemos ter em mente que são reflexões que se tornam dogmas para nós mesmos e não nos importa, tampouco, pessoas com pensamentos vis, trôpegos e moribundos.

sábado, 13 de setembro de 2008

Vendo as Cinzentas e Pesadas Núvens...

Acordei hoje em mais um dia em que o Vento não fora parceiro de cenário. O meu esporte aqui nesta embarcação depende muito deste companheiro. Mas enquanto comia mais um recém pescado salmão, eu entendia que não podemos querer tudo de uma só vez... é certo que ter Vento, Navio, Visibilidade, uma ninfa a bordo e Vinho ao mesmo tempo é o maior desejo de qualquer marujo. Todavia, eu soubera respeitar as minhas próprias chances.

Resolvi que os desejos em demasia são prejudiciais ao corpo e à mente de um homem, tornam-o idiota e ofegante, pouco sadio e insaciável. Lembrei-me então de uma peça de teatro à qual assistira meses atrás; lembrei-me dos diálogos entre o Pai e o Filho. Talvez isso faça recordar algo...

Porque é assim mesmo a ira.
tuas mãos sangram com a arma
e a vida abandona tua alma.

Deseja, tu, então o que é dele.
aproveita tua glória todo o tempo,
mil desejarão o teu e perderás.

Pelos poderes do céu, levanta!
tua hora ainda não chegara.
não? apodrece, tu, então em vida!

Contudo, acumulas ouro e prata.
lambe os bens, senti o gosto,
pois não o terás na outra vida.

Tu, o glutão da nossa cidadela.
evita este comportamento hoje,
amanhã terás outro dia a saciar.

Como o porco desconheces o espírito.
afunda-te ainda mais na carne,
sem saber que amanhã serás lama.

Estás ao real espelho quando acordas;
faze! sonha, tu, com estravagância.
Onde está tua máscara agora?


Lembraram-me várias cenas...


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Nota de Despedida


Nesta data, triste dia setembrino, as velas não estavam cheias. Os Ventos decidiram não me convidar para um passeio. Rumando eu estava para águas mais quentes e, sem força alguma, meu modesto vaso marítimo prosseguia com lentidão milimétrica. Porém, o fato mais importante deste dia não se resume a isso. Às 10 horas e 20 minutos, horário de Brasília, percebi que algo não ia bem com Pupe. Pupe era a companhia canina que eu encontrava sempre no píer da antiga Vila das Brumas. Ela sempre ficava por lá, mas muitas vezes eu a levava como companhia, simplesmente pelo fato de eu não ter com quem conversar e discutir assuntos pessoais. Assim se passaram 16 longos anos com Pupe. Certamente que depois de algum tempo a deixara em terra definitivamente, pois seu corpo, de pêlos longos e brancos, não suportava mais a rotina de balanços e água por todos os lados. Algo não ia bem com ela. Estava desanimada e fraca. Passou-se o dia todo e ela nao comera. Decidimos, eu e o pessoal do píer, que Pupe fosse tratada por um gondoleiro que vivia passando por aquelas cercanias. Ele morava na outra margem do Rio. Não me lembro com exatidão o nome do figura, mas acredito que pudésse ser José Carlos Ronte, ou Aronte... não importa. O que importa é que depois desses anos todos com Pupe, ou Pu, para os mais íntimos, ficarão as saudades deste Velho Marinheiro. Que Deus a abençoe, onde quer que esteja. Certamente que Pu estará em várias páginas desse memorial.

O que eu faço aqui...


Esta é uma simples embarcação e a maior parte do tempo estou no convés deste navio. Para os marinheiros de primeira viagem, Convés é a parte da cobertura superior de um navio, que está compreendida entre o mastro do traquete e o grande. Em um navio, o convés principal é a estrutura horizontal que forma o "tecto" do casco, o qual à vez reforça o casco e serve como superfície principal de trabalho (Wikipedia).

Meu nome verdadeiro é Felipe de Camargo Costa, mas aqui para os apreciadores de contos fantásticos, aqueles de congelar os ossos, sou simplesmente o Velho Marinheiro. Posso ser seu guia por estes mares? Mares que muitas vezes podem ser agradáveis companheiros de jornada, mas os mesmos que podem, em outro momento, ser grandes bestas famintas e alvoroçadas pelos deuses e pelas Fases da Lua.